A minha escola foi a escola da D. Guilhermina, embora tivesse tido outra professora na primeira classe, a D. Deolinda, de quem recordo , para além da dificuldade das primeiras letras, o ademane de sacudir a sua longa cabeleira, num gesto vedado às mulheres da minha terra que habitualmente tapavam a cabeça com um lenço.
A minha escola funcionava todos os dias, de manhã e de tarde, de segunda a domingo, o primeiro que chegava ia pedir a chave à Senhora, e lá dentro tinha o som de muitas vozes a entoar a tabuada, três vezes um três, três vezes dois seis..., os rios e os seus afluentes, Sabor, Tua, Corgo Tâmega e Sousa... ou as linhas do caminho de ferro, com as suas estações e apeadeiros, pois nesse tempo saber era decorar e a minha escola não ia ficar atrás de qualquer outra.
Nos intervalos, principalmente ao meio-dia, ouvia-se a algazarra das nossas brincadeiras na rua em frente, os esconderilhos, o arco, o pião, o fito, a macaca, a cabra-cega, a bola de trapos pois o recreio da minha escola era toda a aldeia e brincar um acto da mais pura imaginação.
Tinha todas as classes na mesma sala, a minha escola, com a vantagem de ser para ambos os sexos, contrariando a política do “estado novo”, circunstância que me permite recordar, com especial ternura, as raparigas do meu tempo, a Leonor, a Teresa, a Almerinda, a Piedade, a Isabel, a Virgínia, a Adelaide, a Deolinda e outras cujo nome se esfumou na minha memória, embora guarde de cada uma o sorriso breve do seu rosto.
E guardo o cheiro dos livros, só agora me dando conta que não eram os livros, mas o Livro, o Livro da Primeira Classe, o Livro da Segunda Classe, o Livro de Leitura da Terceira Classe.
Há uns anos consegui comprá-los num alfarrabista e, imediatamente, reconheci todas as suas figuras e voltei a saber de cor todas as lições, como se fora ontem e eu me estivesse a preparar para ser chamado dali a pouco. Mas o cheiro a tinta fresca tinha-se perdido definitivamente!
Apesar da sua elevada frequência, a minha escola era um posto escolar e as professoras regentes, eufemismo para lhes pagarem menos pela transmissão do mais básico dos saberes, ler, escrever e contar, primeira, segunda, terceira classe, que a quarta classe, nos Pereiros, era quase curso superior .
Aqui fica, como se fosse uma redacção, esta memória breve da minha escola. Dedico-a à D. Guilhermina, a quem quero expressar o meu reconhecimento por me ter ensinado a escrevê-la. Acredito que, se a lesse com os seus óculos de lentes grossas, iria dar-me uma boa classificação, principalmente depois de eu a passar a limpo, numa folha de papel Almaço, com a minha caneta de aparo de molhar e a caligrafia certa, elegante, desenhada como a Senhora me ensinou.
A minha escola funcionava todos os dias, de manhã e de tarde, de segunda a domingo, o primeiro que chegava ia pedir a chave à Senhora, e lá dentro tinha o som de muitas vozes a entoar a tabuada, três vezes um três, três vezes dois seis..., os rios e os seus afluentes, Sabor, Tua, Corgo Tâmega e Sousa... ou as linhas do caminho de ferro, com as suas estações e apeadeiros, pois nesse tempo saber era decorar e a minha escola não ia ficar atrás de qualquer outra.
Nos intervalos, principalmente ao meio-dia, ouvia-se a algazarra das nossas brincadeiras na rua em frente, os esconderilhos, o arco, o pião, o fito, a macaca, a cabra-cega, a bola de trapos pois o recreio da minha escola era toda a aldeia e brincar um acto da mais pura imaginação.
Tinha todas as classes na mesma sala, a minha escola, com a vantagem de ser para ambos os sexos, contrariando a política do “estado novo”, circunstância que me permite recordar, com especial ternura, as raparigas do meu tempo, a Leonor, a Teresa, a Almerinda, a Piedade, a Isabel, a Virgínia, a Adelaide, a Deolinda e outras cujo nome se esfumou na minha memória, embora guarde de cada uma o sorriso breve do seu rosto.
E guardo o cheiro dos livros, só agora me dando conta que não eram os livros, mas o Livro, o Livro da Primeira Classe, o Livro da Segunda Classe, o Livro de Leitura da Terceira Classe.
Há uns anos consegui comprá-los num alfarrabista e, imediatamente, reconheci todas as suas figuras e voltei a saber de cor todas as lições, como se fora ontem e eu me estivesse a preparar para ser chamado dali a pouco. Mas o cheiro a tinta fresca tinha-se perdido definitivamente!
Apesar da sua elevada frequência, a minha escola era um posto escolar e as professoras regentes, eufemismo para lhes pagarem menos pela transmissão do mais básico dos saberes, ler, escrever e contar, primeira, segunda, terceira classe, que a quarta classe, nos Pereiros, era quase curso superior .
Aqui fica, como se fosse uma redacção, esta memória breve da minha escola. Dedico-a à D. Guilhermina, a quem quero expressar o meu reconhecimento por me ter ensinado a escrevê-la. Acredito que, se a lesse com os seus óculos de lentes grossas, iria dar-me uma boa classificação, principalmente depois de eu a passar a limpo, numa folha de papel Almaço, com a minha caneta de aparo de molhar e a caligrafia certa, elegante, desenhada como a Senhora me ensinou.
Mais um texto de Joaquim Nascimento. Infelizmente não consegui arranjar uma capa dos livros da primária de que o Joaquim fala (nem mesmo no "google"...), pelo que escolhi a bonita escola primária da Foz do Arelho, do Grandela, um bom exemplo arquitectónico das escolas primárias da Primeira República.
Luís
ResponderEliminarTenho os livros da 1ª, 2ª e 3ª classes. Posso digitalizar as capas e enviar-te. Se quiseres. Só não sei para onde...
Bom domingo
jcfrancisco
ResponderEliminarAmanhã à noite (tarde, na noite) terás por aí as capas dos livros.
Um abraço, da terra das túlipas
Ainda bem que a foto agradou...
ResponderEliminarJá fiz a alteração devida, Zé do Carmo.
Agradeço a tua atenção Maria, apesar da distância...
ResponderEliminarUm belo texto nostálgico.
ResponderEliminarEssa foto é um verdadeiro encanto.
E é uma sorte que a escola esteja tão bem conservada.
"Sempre por bom caminho"...
O texto é bonito e a foto mostra um belo modelo arquitectónico das escolas primárias.
ResponderEliminarPenso que este modelo é exclusivo das escolas mandadas fazer pelo Grandela (esse mesmo, o dos armazéns...), que foi um cidadão benemérito que chegou a ter uma palacete na Foz do Arelho (onde hoje é o Inatel) e promoveu uma campanha de alfabetização, com a construção de várias escolas. Esta começou a ser construída em 1909.
Meu Caro Luis eme
ResponderEliminarAo lado do palacete Grandela, na Foz do Arelho, era a colónia de férias dos seus trabalhadores e esta escola é igual às do Bairro Grandela, que dão para a estrada de Benfica, em Lisboa, onde esteve, sem grande visibilidade, o Museu da República e da Resistência. Infelizmente a minha escola não era destas, nem das do estado novo, pois era uma casa quase vulgar de uma aldeia do Alto Douro. Já não funciona, a minha escola, já pouco funciona a minha aldeia.
Obrigado
Joaquim
É um mau sinal dos tempos... este vazio que enche as nossas aldeias e coloca as escolas, quase sem alunos, em leilão, Joaquim...
ResponderEliminarNão foi só a Dona Guilhermina que ensinou ao Joaquim, Paula...
ResponderEliminarDe certeza que ele era um aluno atento, pronto a gravar "de memória" todos estes episódios...
Isso mesmo, José do Carmo Francisco.
ResponderEliminarE a Estrela Radiante que, felizmente, nem o incêndio, nem a recuperação do Chiado (devia dizer do Grandela) apagou.
Joaquim Nascimento
Sim, realmente um excelente texto. É engraçado como a nossa memória grava pequenos detalhes, que na altura nos passaram despercebidos, mas que o tempo nos mostra a sua verdadeira razão de ser. Detalhes que hoje, ao olharmos para trás, são parte integrante de um lindo quadro que sem eles estaria incompleto.
ResponderEliminarAbraço
Este comentário foi removido pelo autor.
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ResponderEliminarBoa noite a todos!
ResponderEliminarA antiga escola dos Pereiros:
http://img2.imageshack.us/img2/8841/img4137b.jpg
Philippe Fidalgo Ribeiro