sexta-feira, novembro 08, 2013

O País dos Xailes Negros


A senhora septagenária, que vestia de negro desde que perdera o companheiro, há mais de vinte anos, nunca tinha visto tantos jovens juntos, vestidos com roupas da mesma cor que as suas.

Num primeiro olhar ainda pensou que poderiam ser órfãos, que se estavam ali a manifestar por qualquer coisa contra o governo. Qualquer direito retirado. Não fosse este um tempo de tantas manifestações e de tanta perda...

Mas depois de olhar melhor, reparou que algumas moças tinham cabelo vermelho, brincos no nariz e até alguns desenhos na pele. Eles não lhe ficavam atrás. além de usarem penteados esquisitos, também tinham os braços pintados e usavam brincos para lá das orelhas. E era raro aquele que não tinha uma garrafa na mão.

Percebeu rapidamente que a única coisa que tinham em comum era a cor da roupa. Foi por isso que mudou de rua e lançou um louvado seja Deus, para quem a ouvisse. 

Num pequeno momento de ausência de fé, pensou que o o mundo talvez seja mesmo uma causa perdida, apesar das orações e dos mil enganos que se vendem por aí. Talvez o seu marido estivesse certo e não existisse nenhum Deus.

Ao ter noção da heresia que invadiu os seus pensamentos, benzeu-se, na tentativa frustrada de afastar os mil demónios que andam por aí à solta, com toda a certeza. 

O óleo é de Will Barnet.

12 comentários:

  1. ♫´Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
    Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
    É que Narciso acha feio o que não é espelho
    E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
    Nada do que não era antes quando não somos Mutantes
    E foste um difícil começo
    Afasta o que não conheço
    E quem vem de outro sonho feliz de cidade
    Aprende depressa a chamar-te de realidade
    Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso´ ♫

    Cae - sampa

    beij0

    ResponderEliminar
  2. Os mais velhos se vestem de negro por desgosto, os mais novos por gosto. A vida é feita de contradições.
    Um abraço e bom fim de semana

    ResponderEliminar
  3. Na minha família do lado paterno o vestir de negro por motivo de luto era proibido...o meu avô detestava essa prática e transmitiu-a aos filhos, filhas, netos e netas!
    Mas ainda hoje tenho dificuldade em me vestir de vermelho...
    Título muito bem conseguido para um texto bem interessante!

    Abraço

    ResponderEliminar
  4. Lembrou-me uma canção, este teu post. :)

    ResponderEliminar
  5. isso é bom, Graça, sabe bem. :)

    ResponderEliminar
  6. muito interessante o teu poste.
    quando o meu pai morreu coloquei luto carregado, ou seja andei toda de preto durante uma eternidade de tempo.
    a dor não passou, acho que ficou maior.
    e reneguei a corta preta, do meu vestuário.
    a minha mãe muito antes de morrer, disse que não queria que usássemos luto por ela e assim fizemos.
    deixei de usar essa cor durante muitos anos.
    mas, confesso que agora faz parte novamente e tenho ate muita roupa preta.
    gostei de ler-te.
    os tempos mudam e até as cores também mudam e mudam as pessoas.
    beijo

    :)

    ResponderEliminar
  7. também não sou adepto do luto, carrega-nos muito, escurece-nos até a alma, Piedade.

    ResponderEliminar