O Café da Júlia é um dos raros lugares de Albufeira onde ainda se ouve o falar algarvio, esse linguajar cantado, de tão marcada individualidade que um estranho, só com muito treino, consegue entender e, raramente, falar.
Ir ao café da Júlia, para além da bica e dos jornais diários, permite surpreender algumas conversas entre gente da terra e descobrir que ainda há quem fique marafado com as obras do polis, quem se preocupe com o afluxo turístico, quem saiba se está levante, ou quem se rale com outros pequenos nadas.
Há alguns anos este papel era repartido com o Café Bailote, ali ao lado, mais snobe na sua fisionomia de café central, mesas de tampo de mármore, bilhar ao meio da sala, café de saco, aguardente de medonho, espelhos embaciados e, mais tarde, a pintura cubista do seu proprietário nas paredes. Não resistiu á morte do dono e, depois de uma penosa decadência, fechou para obras, reabrindo como Ristorante, isso mesmo, o pé direito por metade, pouca luz, claustrofóbico, muitos cromados, mobiliário de plástico e dois quadros do Mestre. Ninguém como Bailote soube retractar a luz velada da noite algarvia no seu casario, nas açoteias, nas falésias e no mar, para o que lhe bastavam quatro cores, o ocre, o azul, o negro, o branco e alguns dos seus tons.
No café da Júlia ainda se pode pedir uma bica e beber uma imperial a gosto, leve, gasosa, dois dedos de espuma, à temperatura adequada e, com sorte, até nos podem servir um pires de cadelinhas, ou condelipas, ou lambujinhas, afinal mais três nomes para as conquilhas, abertas num fio de azeite, dois dentes de alho e muitos coentros, um molho que elas se encarregarão de engrossar, largando na frigideira a sua reserva de água e todo o sabor do mar!
Poucos em Albufeira lhe saberão dizer onde fica o café da Júlia, pois este nome é, por assim dizer, uma alcunha do tempo em que a sua proprietária, uma anafada senhora da terra, o dirigia recostada numa cadeira de verga, ainda estas cadeiras se fabricavam em Loulé e a China era um lugar inacessível.
Pergunte pela Pensão Silva e, se tiver sorte, talvez encontre um quarto vago, mesmo no centro da vila, onde se poderá hospedar à maneira antiga, dormida e pensão completa.
Joaquim Nascimento escreveu e dedicou esta prosa à sua cunhada Graciete que foi comensal da Pensão da Júlia durante alguns anos. Eu escolhi o óleo "À Beira Mar" de José Malhoa, que mesmo sendo na Praia das Maças, fica bem neste texto...
Cnheço Albufeira e as conquilhas...ai as conquilhas...
ResponderEliminarDelícia!
Mas não conheço o tal café.
Belo texto e bela tela!
Obrigado, Sininho
ResponderEliminarO café de que eu falo fica na Rua Direita, mas as conquilhas, se calhar, são literatura e saudade.
Se calhar já não há.
Joaquim
eu moro na rua direita ;) e estive há poucos dias na praia das maçãs. só me falta mesmo ir conhecer o café da júlia a albufeira. adorei ler. cumprimentos também ao luís.
ResponderEliminarComo se os dois quadros que lá ficaram, fossem os únicos guardiões das memórias de tudo o que se lá viveu. Ver dois quadros, se bem me recordo no mesmo sítio, mas com cheiros de molho de tomate, rodeados de pessoas que parecem desconhecer tudo o que se lá passou entre medronhos e vime, e a antipatia natural do último empregado do bailote, sempre desconfiado face ao interesse mostrado pelos quadros do mestre.
ResponderEliminarTambém me parecia Malhoa!
ResponderEliminarVai lindamente com o texto!