sábado, fevereiro 28, 2015

Duas Certezas que Tenho, neste Tempo de Incertezas


Aos sábados acordo sempre cedo. Normalmente fico ainda um bocado na cama a ver passarem ideias e reflexões.

Desta vez dei por mim a pensar que na actualidade serei tudo menos católico e comunista, olhando para a prática diária das "casas-mãe" destas duas ideologias (Igreja Católica e Partido Comunista).

E isto não acontece apenas por me saber demasiado libertário ou por gostar muito de pensar pela minha cabeça. Mas sim por sentir que estas duas "instituições" estão mais próximas do que parecem (uma da outra), pela superioridade moral que espalham (ou pelo menos tentam) na sociedade. 

Ambos se sentem os "escolhidos". Uns pensam que são os únicos filhos de Deus e que só eles têm a chave do "céu". Os outros pensam que são os únicos donos da verdade e da solução para um mundo mais justo.

Claro se Jesus e Marx, passassem por aqui, olhando para as suas práticas, eram capazes de lhes dizer que tinham interpretado mal as "cartilhas" que ambos deixaram por cá, mas...

O óleo é de Blake Flynn.

sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Voltamos Sempre aos Lugares onde Somos Bem Tratados


Não tenho qualquer dúvida que voltamos sempre aos lugares onde somos bem tratados. E quando não pudemos voltar (às vezes esses lugares ficam demasiado longe e permanecem a crescer em qualidade dentro da nossa memória...), transformamos-os em lugares de sonho.

Felizmente não é o caso. E sempre que posso passo pelo bar da Alice, paro, olho e entro.

Às vezes bebo só um café, porque o mais importante são as palavras que trocamos. Revivermos o tempo em que escrevemos guiões de programas televisivos que nunca foram para o ar e que te fizeram mudar de profissão.

Queres sempre saber o que ando a escrever. Começo por dizer que é nada, mas depois lá adianto qualquer coisa...

Tratas toda a gente bem e nunca te queixas que o negócio vai mal, porque não vais estar à espera que o mundo te caia em cima. Quando perceberes que é tempo de embalar a trouxa, não precisas que ninguém te diga, és a primeira a bater com a porta.

Mas acredito que isso só acontecerá quando achares que é mesmo tempo de mudares de vida.

O óleo é de Stan Moller.

quinta-feira, fevereiro 26, 2015

Eu Conservador me Confesso


Apesar de ser de esquerda, sou conservador em muitas coisas (talvez teimoso e avesso a algumas modernidades seja o termo mais exacto...).

Embora não goste de remar ou nadar ostensivamente contra a maré (tipo Pulido Valente...), há coisas que tento não fazer, mesmo sem conseguir explicar muito bem a razão de não me "converter" a algumas modernices.

Toda esta prosa para dizer que não tiro fotografias com o telemóvel. Porque para mim este serve para falar com pessoas, é uma versão moderna do telefone sem fios.

Claro que isso se calhar acontece por ter máquina fotográfica desde os quinze anos. E também por achar que elas são o mecanismo mais apropriado para tirara retratos a pessoas, objectos ou ao "nada" (são quase sempre as que resultam mais...).

Talvez seja um "antigo" (ou outro nome qualquer pior), mas não me incomodo nada com esse rótulo. 

Embora reconheça que os aparelhos com multifunções dão jeito (as impressoras são o grande exemplo...), acho que se abusa na vontade de concentrar tudo num único objecto.

O óleo é de Pierre de Monjins.

terça-feira, fevereiro 24, 2015

As Memórias com e sem Fotografias


No domingo vamos falar em Almada sobre a fotografia, numa conversa que esperamos larga, com gente que pinta, escreve e tira retratos (colóquio: "A Democratização da Fotografia faz bem à Arte?").

E mudou tanta coisa na última década...

Antes não havia o medo de perder as memórias, não se utilizava tanto a máquina fotográfica para as fixar. Claro que já era um bom auxiliar de memória, mas funcionava sobretudo como um registo familiar das datas e pessoas importantes (para nós). Era também a "prova de vida", feita propositadamente para enviar "pessoas" com sorrisos (era mais importante que hoje sorrir para as fotografias...), para aqueles que estavam fora do país (e o contrário, os emigrantes também enviavam fotografias para os avós assistirem de longe ao crescimento dos netos...).

Hoje, como é possível falarmos através dos computadores para o mundo inteiro, a fotografia passou para outro patamar, talvez mais abrangente e mais criterioso, pelo menos no campo da imagem, cada vez mais sem pessoas. Até por se viajar com outra facilidade...

E acontece uma coisa estranha, olhamos cada vez mais para as coisas atrás da máquina, esquecidos que a "realidade" pode ter outras cores...

O engraçado do escrever é que pensamos em dizer aquilo e acabamos fintados pelas palavras a dizer isto...

Isso acontece porque se podem dizer milhentas coisas sobre este assunto.

Talvez amanhã volte aos retratos.

(Esta é uma das fotografias minhas expostas na Festa das Artes da SCALA, na Oficina de Cultura em Almada até 8 de Março)

segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Tantos Pedaços de Papel Guardados


Tantos pedaços de papel guardados para quase nada, num envelope. Mesmo sabendo isso não os deito fora.

Talvez por saber que quando foram escritos, tudo parecia fazer sentido. As palavras, os lugares, as pessoas...

Há vários tipos de papeis. Guardanapos finos de café (maioria...), recibos de compras, papeis que serviram de publicidade a qualquer coisa, bilhetes e também folhas de blocos.

As palavras também são variadas, muitas falam de gente que já esqueci, há dados biográficos, bocados de poemas, frases apanhadas no ar...

A ilustração é de Couarraze.

sábado, fevereiro 21, 2015

É Quase, Quase, Verão...


A meio da manhã começa a estar de tal forma agradável, que até chegamos a pensar que o Verão já anda a querer bater à porta.

Claro que é um exagero, mas caminhamos mesmo para um tempo de quase só duas estações (as mais duras e fortes...), o Inverno e o Verão, que conseguem, com a maior das facilidades, meter o Outono e a Primavera no bolso...

Sei que é tudo passageiro, ainda falta a "estação das chuvas", mas que conseguimos desequilibrar a "máquina do tempo", lá isso conseguimos.

Mas já quase todos estávamos a precisar de um calorzito...

O óleo é de Linda Pochesci.

sexta-feira, fevereiro 20, 2015

A Presidência da FIFA é um Figo para Quem?


À medida que a idade vai avançando, vou cada vez menos em "nacionalismos bacocos", em que se apoia qualquer coisa apenas por ter o selo português.

Um destes casos é a candidatura de Luís Figo à presidência da FIFA.

Tenho lido algumas criticas, que abordam mais o carácter e até ingratidão (saídas do Sporting e do Barcelona...) do antigo futebolista, que a sua ausência de currículo e experiência enquanto dirigente desportivo, pelo menos para assumir a presidência da instituição desportiva mundial que move mais interesses, gera mais receitas  e também provoca mais desconfianças (favorecimentos que nunca são muito bem esclarecidos, como têm sido os casos das candidaturas vencedoras dos dois próximos mundiais).

Não vou dizer que o Figo é o "testa de ferro" de alguém, mas calculista como ele se tem revelado ao longo de toda a sua carreira, de certeza que haverá mais alguém por detrás desta candidatura...

quinta-feira, fevereiro 19, 2015

Um Excelente Jornalista não é Sinónimo de um Bom Romancista


Acabei de ler "O Meu Amante de Domingo" de Alexandra Lucas Coelho, uma excelente jornalista que continua a escrever (felizmente) no "Público".

Tinha pensado não escrever nada, porque a leitura do livro acabou por ser uma desilusão. A meio do livro ainda estava entusiasmado, mas à medida que fui caminhando para o final, comecei a perceber que não iria acontecer nada de surpreendente...
Por uma razão muito simples, é  mais um livro que não tem uma história, um final (agora usa-se muito, escrever romances sem princípio meio e fim).
A sua melhor qualidade é o ritmo (algo que nem sempre se consegue dar a uma história, o movimento, a acção que nos faz continuar atrás das palavras da autora...).

Durante 180 páginas uma mulher dá mostras da sua desilusão em relação aos homens (que realmente não são grande coisa, deve ser por isso que continuo a gostar mais de mulheres...), numa fase difícil das nossas vidas, em que começamos a duvidar se o amor existe mesmo...

Li algumas coisa sobre os palavrões, que eram um exagero, assim como as cenas de sexo. Em relação à componente sexual não encontrei, nada de pornográfico ou  de chocante. Também não achei nada do outro mundo que a personagem principal utilizasse o "caralho" e o "foda-se", como palavras vulgares do nosso vocabulário, até por ser do Canidelo. Todos sabemos que no Norte estas palavras soam sempre com outra naturalidade, mesmo na boca de uma mulher.
Há boas referências literárias (Nelson Rodrigues, Balzac, etc), mas não chegam para fazer deste livro um romance.

Claro que se trata de uma mera opinião pessoal. Também não tinha achado "E A Noite Roda" um grande romance (por motivos diferentes, achei-o demasiado documental...) e ele foi premiado e bem dito pelos "críticos da corte"...

Talvez esteja a ser demasiado exigente, por achar que a Alexandra é uma das melhores cronistas de viagem deste país. Conheço muito melhor o Brasil e o Oriente (sem por lá passar...) graças a ela.

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

Uma Educação Milenar, Gasta e Cansada...



Sei que não somos melhores nem piores que as mulheres, apenas diferentes.

Sei também que até aqui temos tido a vidinha facilitada, só agora é que a competência começa a não ter sexo (ainda não é em todo o lado)...

Claro que estas mudanças não estão a ser fáceis na nossa sociedade. Chegam-nos exemplos diários de todo o lado. Continuam a existir por aí muitos homens que não aceitam uma premissa que parece simples: que as suas mulheres - por serem mais capacitadas - ganhem mais que eles (eu acho que ia adorar...). Agora, imaginem, quando elas começarem mesmo a mandar, a ter poder real...

A violência doméstica hoje bastante mais visível, também é consequência desta emancipação da mulher. Entre outras coisas, ela não querer continuar a ser a "escrava" da casa, que antes tinha um nome mais pomposo: "fada do lar"...

Parece que não tem nada a ver, mas tem. Deve ter sido por isso que me lembrei de um absurdo verdadeiro: se a vida é difícil para quem é mulher e para quem tem a pele castanha, imaginem o que é ser mulher e ter a pele castanha...

O óleo é de Steven Lawder.

terça-feira, fevereiro 17, 2015

O Carnaval do Ano Inteiro Ofusca a Folia Carnavalesca no nosso País



Tenho cada vez menos dúvidas de que é cada vez mais difícil ter espírito carnavalesco no nosso país, com tantos exemplos diários de gente com máscaras e a "transvestir-se"...

E o "pagode" tem valido a pena, anda por aí tudo a solta, menos o "metralha" nº 44, sabe-se lá porquê...

O óleo é de Georges Corominas.

segunda-feira, fevereiro 16, 2015

Quando o Tudo é Nada



Quando o tudo é nada, a vida torna-se mais simples.

Nos dias de hoje não é uma coisa do outro mundo, porque de um dia para o outro, podes perder quase tudo. 

Mas à boa maneira, que gostamos de chamar portuguesa, mas penso ser humana, consegues tirar sempre algum ganho. Talvez a liberdade, ou seja, uma maneira de ser livre, diferente...

A invisibilidade também pode tornar-se realidade. Não porque desapareças, mas porque os outros deixam de olhar para ti. Até deixares de existir.

E depois torna-se cada vez mais difícil voltares a ter uma vida normal. Por ti. Mas principalmente pelos outros...

O óleo é de Atanas Matsoureff.

domingo, fevereiro 15, 2015

O Sexo, Com e Sem Sombras


A primeira coisa que me vem ao pensamento,  com todo este "folclore" à volta do filme das muitas sombras de Grey (tal como aconteceu com o livro...), é que o sexo está longe de ser um espaço de descoberta e de conhecimento do próprio corpo, para muitas pessoas.

Mesmo sabendo que devo dar algum desconto à campanha de marketing, que até aproveitou o dia destinado ao namoro, para empurrar a malta (especialmente mulheres...) para dentro das salas de cinema.

Não li o livro, não vou ver o filme. Em relação ao livro, tenho a certeza que não o vou ler, pela simples razão de que tenho pelo menos uns quinhentos à frente, espalhados por toda a casa. Sei que um dia qualquer, acabarei por ver o filme, provavelmente daqui a dois três anos, quando passar num canal  da televisão, aberto.

O óleo é de Alejandro Barron.

sexta-feira, fevereiro 13, 2015

Um Dia de Efemérides


Hoje comemora-se o Dia da Rádio e também se regista o 50 º aniversário do assassinato de Humberto Delgado, pela PIDE, em Espanha.

É uma data que se deve recordar, de um tempo em que se matava quem lutava pela Liberdade e pela Democracia, como se fosse um acto patriótico.

Se Humberto Delgado já estava de alguma forma ligado ao "sebastianismo", pela forma surpreendente como acordou Portugal, durante as eleições presidenciais de 1958 (adormecido pela voz pausada e silenciosa de Salazar), mais ficaria, ao ser vitima de um encontro fantasista com oposicionistas, que não passavam de uma brigada da PIDE...

Nesse fatídico dia mataram o "Revolucionário Romântico" (e ingénuo...), acabando com a esperança de muita gente, na mudança tão desejada. 

Ficou o sonho, o mito do Homem (General...) Sem Medo, que usou desafiar o poder de um ditador que estava cada vez mais isolado, dentro e fora do país...

quinta-feira, fevereiro 12, 2015

Nem Toda a Gente Gosta das Zonas de Conforto


Claro que há poetas e poetas... da mesma forma que as moedas normalmente têm duas faces.

Foi quase um insulto para o Acácio ouvir a um velho, que devia conhecer uns quantos finórios, dizer que os poetas deviam ser todos embaixadores ou assessores de embaixadas, para puderem ver o mundo com todas as cores.

«O gajo para falar de cores, deve ter confundido poetas com pintores.» Desabafou o Acácio, antes de concluir: «esta gente sabe lá o que são poetas e o que é poesia. E para se comer uma embaixatriz não é preciso morar na embaixada.»

«A maior parte dos malucos que escrevem versos, que eu conheço, preferem carapaus com escabeche a rissóis de camarão. E detestam roupas engomadas e gravatas.»

Antes de virar costas ainda se saiu com esta: «Há lá coisa melhor que umas calças com os bolsos rotos, para se ter a possibilidade de jogar bilhar de bolso?»

O óleo é de Atanas Matsoureff.

quarta-feira, fevereiro 11, 2015

«Eu não tenho qualquer problema em ser Grego.»


Se "Ser Grego" é estar contra a "troika" e contra toda esta austeridade que nos é imposta e que dá cabo de países como Portugal, digo, como disse ontem numa mesa de amigos: «eu não tenho qualquer problema em ser Grego.»

Claro que isso não tem nada a ver com estes políticos do Syriza, que são mais falados por aparecerem sem gravatas e com roupas mais leves, que pelas suas palavras.

Tem a ver sim com uma Europa, não só pouco solidária, como exploradora (e aniquiladora...) dos países mais fracos.

Se há coisa que não consigo meter na cabeça, é que os países com mais dificuldades tenham de pagar os seus juros da dívida mais altos. Em vez de se ajudar, destroem-se economias como a nossa e a grega por exemplo. Basta ver os números da nossa dívida pública, que ainda não pararam de subir, desde que esta gente da direita - que anda de cócoras pela Europa e só é forte com os fracos - governa o País...

A óleo é de Margherita Lipinska.

terça-feira, fevereiro 10, 2015

A Beleza e a Arte dos Filmes "Negros"


Nem tudo é mau (aliás, aparentemente é quase tudo bom...), nestas modernices que nos ocupam a vida. A possibilidade de "andarmos para trás no tempo", permite-nos ver cada vez mais apenas o que queremos na televisão.

Só assim foi possível voltar a ver, "À Beira do Abismo" de Howard Hawks (deu no fim de semana na dois), um policial com Humphrey Bogart e Lauren Bacall, em que "Boggie" volta a vestir a pele de Phlip Marlowe. Um filme onde os livros se misturam com o cinema e sentimos que ficamos todos a ganhar.

E não é apenas o gostar das fitas a preto e branco, é gostar de toda aquela acção, sem o espalhafato e os efeitos especiais dos nossos dias. Claro que isso também se deve ao Bogart, que apesar de ser um tipo de estatura mediana, enche o ecran.

Em quase poucas palavras, gostei de voltar a ver um policial cheio de coisas por explicar, onde os tiros aparecem de vez em quanto e nunca são ensurdecedores...

domingo, fevereiro 08, 2015

Um Número Fantasista, Perigoso e Sujo


As pessoas deixaram de aparecer, a paciência e o dinheiro esgotaram-se e a porta vai mesmo fechar...

É menos um restaurante à procura de clientes, cada vez  mais incertos.

Sei há bastante tempo que este país não é normal. É a melhor explicação que encontro para andar toda a gente preocupada com os gregos sem gravata, ao ponto de se esqueceram do gajo que quis ser notícia, pelos piores motivos, num número fantasista, perigoso e sujo.

Eu ainda me pergunto, como é que alguém é capaz de dizer o disparate: «Em Portugal só passa fome quem quer.» E ainda vou mais longe: como é que alguém capaz de dizer um disparate destes é o presidente da união das misericórdias? 

Talvez ele finja que é Deus e que consegue estar com as suas misericórdias em todo o lado, mesmo naquelas que são melhores a venderem quartos a gente com dinheiro que a albergar pobrezinhos...

Eu sei que este país só é bom é para fingidores, capazes de dizer que a austeridade já passou, mesmo que a Laura e o David a partir de amanhã não serviam mais almoços e jantares...

Mas chateia-me, cada vez mais, ser do mesmo país desta gente, que além de mentir, ainda goza com a miséria alheia. 

O que já não me chateia é perceber que uma boa parte das pessoas que se tornaram pobres graças a este governo, com as cambalhotas que eles são capazes de dar até às eleições, até capazes de votar novamente neles. Ou seja, tudo indica que se merecem uns aos outros.

E eu? Já sei, devia emigrar... Tal como a Laura e o David.

O óleo é de Lindsay Goodwin.

sábado, fevereiro 07, 2015

A Literatura é Outra Coisa


Como prometi vou tentar dar continuidade ao texto anterior.

As conversas às vezes são saborosas como as cerejas. Foi desta forma que do cinema derivámos para a literatura, para o papel da escritor na sociedade, para as suas várias máscaras. Fernando Pessoa apareceu logo por ali, com os seus amigos Ricardo, Alberto e Álvaro.

Eu disse ao João e ao Pedro que isso que não eram máscaras, eram mais sombras. Sorrimos, por sabermos que era muito mais que isso...

Mas claro que era ele e os seus "eles"...

Não tenho muitas dúvidas que nós não somos apenas um eu, por isso é que acabamos por ser tão contraditórios, mesmo quando não o queremos ser. 

Mas o autor nunca é uma personagem, não é um actor, mesmo que tente vestir outra pele, nunca deixa de ser ele. Ou seja, tem sempre mais responsabilidade, porque está sempre a representar o mesmo papel, o seu. Pode ser Francisco, Alfredo ou Joaquim, mas nunca deixa de ser quem é. Talvez tente fugir de si mesmo, mesmo sabendo que é uma fuga perdida... 

Como devem calcular foi uma conversa muito mais confusa, estivemos longe de conseguir concluir alguma coisa. Mas como também era isso que pretendíamos...

O óleo é de Krzysztof Rzeznczec.

sexta-feira, fevereiro 06, 2015

As Máscaras e a Vida


Hoje estive com dois amigos ligados ao mundo do cinema e acabámos por ter uma conversa extremamente interessante, ao separarmos os actores das personagens. Concordando todos que é assim que temos de fazer. Mesmo sem darmos por isso, o que gostamos mesmo é das personagens e não dos actores, em si, porque são estas que comunicam connosco nos palcos, na televisão ou na tela de cinema.

Falamos de três actores soberbos (Robim Williams, Robert de Niro e Philip Seymour Hoffman), dois infelizmente já não estão entre nós, mas podíamos fala de muitos outros, porque o Pedro e o João não podiam concordar com a ligação que alguém insistia em fazer, da vida pessoal doa actores às personagens que interpretam. 

E eu concordava com eles... 

Podiam e podem não ser as melhores pessoas, mas que importa isso se são extraordinários a vestir a pele de outras pessoas (umas melhores, outras piores que eles...), se conseguem despertar-nos emoções, que é o melhor que um filme ou uma peça de teatro podem fazer?

Acabámos por falar de outras áreas, inclusive da literatura, onde já não estivemos de acordo, mas isso poderá ser assunto para amanhã...

quinta-feira, fevereiro 05, 2015

Os Gestos de Desconhecidos


São os gestos dos desconhecidos, que ainda nos fazem acreditar na espécie humana.

Quando alguém que não nos conhece de parte alguma nem está à espera de nada, é capaz de nos ajudar, apenas porque sim, porque naquele momento decidiu não virar costas ou fechar os olhos à vida, as coisas parecem fazer sentido.

Mas temos de aceitar sem dramas que começam a ser gestos raros, nas sociedades que cultivam o individualismo e onde se finge que o outro não existe, com quem nem sequer trocamos um bom dia ou uma boa tarde.

Claro que os gestos dos conhecidos também sabem bem, mas são diferentes. Quando ainda vivemos numa espécie de "bairro", em que trocamos além do bom dia, um sorriso e duas ou três palavras com a vizinhança (como ontem, quando eu disse a um dos vizinhos na rua, que andava o diabo à solta...), sabemos que ainda existem "portos de abrigo" por aí...

É que nós, ao contrário do que muito boa gente finge pensar, não somos meras estátuas, como as de Berit Hildre.

terça-feira, fevereiro 03, 2015

A Nudez na Arte


A nudez sempre foi um dos motivos de inspiração dos artistas plásticos, especialmente nas épocas em que as mulheres andavam vestidas na rua, praticamente dos tornozelos até ao pescoço.

Acho que isso acontecia por razões que não se prendiam, apenas pelo fascínio da descoberta das curvas dos corpos femininos, tão escondidos...

A nudez acabava por simbolizar a liberdade. Ainda por cima era uma liberdade consentida pelos poderes de então (nem mesmo a igreja torcia o nariz, não faltam por aí anjos despidos, mesmo no interior de mosteiros e conventos), porque na arte quase tudo era permitido, pelo menos desde a Grécia e Roma, na antiguidade clássica.

Acho que o quadro era olhado como uma representação e nunca como um retrato....

O óleo é de John Nava.

segunda-feira, fevereiro 02, 2015

Quando a Amizade se Confunde com "Óculos de Ver Maravilhas"...


Escutava-o e pensava: «é tão fácil elogiar os amigos, ver neles o que eles nunca foram, nem serão».

Quase em simultâneo pensei que é por isso que há tanta gente que acredita na inocência de Sócrates... tal como ontem acreditavam na de Carlos Cruz...

Há já algum tempo que sabia que uma boa parte dos nossos pensamentos não são para dizer. 

Foi por isso que fiquei em silêncio...

O óleo é de Erhard Loblein.

domingo, fevereiro 01, 2015

O Retrato do "Botas" Mudou de Salão


Não reagi com alegria nem tristeza, quando me disseram que o escritório da família do doutor Henrique já não era ali, rente ao jardim. O senhorio resolveu aproveitar a nova lei das rendas para tornar aquele terceiro andar demasiado caro, para um simples museu de família, mesmo que tivesse um nome respeitado, pelo menos por esta maltinha que está no poder.

Lembrei-me do quadro com a fotografia de Salazar, em destaque numa das paredes do salão, Estava ali como estavam outras coisas, a decorar aquela casa antiga, de uma família que continuava a acreditar nas "castas", como se as pessoas fossem como os vinhos...

Só lá entrei uma vez. Enganado. Foi por isso que estava lá e não estava. Eles falavam e eu fingia que escutava. A única pessoa que conhecia daquela família era o tio médico, ausente do álbum de fotografias desde muito cedo. Era a "ovelha negra", algo que nunca o incomodou. Eles não deviam sonhar que eu o conhecera, mas afirmaram, quando descobriram que eu era de Almada, que quem gostava muito da Outra Banda era o "tio comunista". Oferecendo-me de seguida um sorriso, no mínimo sacana.

Também lhes sorri, enquanto me lembrava que o tal homem do retrato não passava de o "botas", para o doutor Henrique, que embora não fosse comunista, convivia melhor com esse rótulo que com o apelido herdado da família salazarista, que continuava a sonhar com o D. Sebastião.

Sonhos que não iriam desaparecer, agora que foram obrigados a mudar de rua.